Translate

sexta-feira, 12 de março de 2010

Violência. Lira Neto abre nossos olhos e mentes


Chego em casa, abro o e-mail e me deparo com a dica da Socorro Acioli para que eu leia a crônica de Lira Neto, sobre a morte da empresária. Ao telefone, um colega de trabalho diz que é mais um bom texto do nosso Lira. O link do 'Liberdade Digital', diz que o Emílio Moreno compilou todo o conteúdo. Fui ler. E adorei. proveito para dividi-lo com os leitores do GENTE DE MÍDIA, parabenizando o meu antigo editor do Vida&Arte.
A bala que matou Marcela

Eu não conhecia a empresária Marcela Montenegro. Mas sei muito bem quem é o autor do disparo que a atingiu: a nossa indiferença cotidiana. Isso mesmo. É exatamente isso o que você leu: quem atirou em Marcela foi nossa estupidez e nossa omissão. Todos nós somos os seus algozes.

As coisas sempre estiveram aí, debaixo de nosso focinho, e sempre teimamos em não querer olhar para elas. Porém, quando a tragédia se instala de forma tão violenta e em um cenário tão próximo a nós, ficamos estarrecidos, quedamos desesperados, exercitamos uma tardia mistura de medo, desconsolo e indignação. Tudo porque se esgarçou o ilusório cordão de isolamento que parecia separar nosso paraíso refrigerado do abrasador inferno das ruas. Agora sabemos. Ninguém está imune. A peste está solta.

Até então, era como se o barril de pólvora no qual vivemos sentados não fosse de nossa conta. Mas quando a bala perversa atinge a cabeça de um de nós – ou alguém que bem poderia ter sido um de nós -, só assim despertamos de nosso sono letárgico de classe média deslumbrada e clamamos por providências contra a barbárie. É claro que as autoridades do setor de segurança precisam ser chamadas, com todo o rigor, à razão. Cabe a elas reprimir o faroeste caboclo, explicar como uma zona da cidade reconhecidamente dominada por assaltantes sempre permaneceu assim, entregue ao império da pedrada, do tijolaço e da bala.

Mas também é mais do que oportuno, e se torna dolorosamente necessário, refletir sobre a parcela de responsabilidade que nos cabe, pacatos cidadãos, a respeito de um episódio tão hediondo. Aprendemos a rir, de modo confortável e sem culpas, do programa policialesco de televisão que faz piada da violência que grassa em nossas periferias. Fechamos os olhos para as ocupações irregulares de terrenos que, por falta de um ordenamento urbano mais consistente, pululam na cidade e se tornam semeadouros de conflitos. Deixamos placidamente que nossas meninas se prostituam, de modo sórdido, por alguns míseros trocados ou pelo sonho de desposar um príncipe louro, nos inferninhos da Praia de Iracema.

Permitimos, sem dar um único pio, que se instale o vale-tudo, que valha a lei do mais tosco, que a falta de urbanidade seja a regra geral em nossa anestesiada coexistência. Diante de tudo aquilo que fere e incomoda a coletividade, tapamos o nariz, silenciamos a voz, levantamos o vidro fumê do carro, fazemos ouvidos moucos. Como os macaquinhos que se acham muito sábios mas que apenas permanecem sentados sobre os próprios rabos, não ouvimos, não vemos, não falamos. Na verdade, compactuamos com o descalabro. Somos os cúmplices da iniquidade.

Uma querida amiga jornalista, por e-mail, ao comentar o crime contra Marcela Montenegro, lamenta que, enquanto isso, ao passo em que a brutal violência coleciona mais uma vítima na cidade, o governador e a prefeita continuem a brigar pela supostamente bizantina questão de um estaleiro. Pois daqui respondo, cara amiga, caros leitores: é bom que prefeita e governador discutam mesmo. E é imprescindível que entremos e coloquemos cada vez mais o dedo e ainda mais lenha nessa briga. Não apenas para produzir aquele tipo de fogo que gera fagulha e calor, mas também para produzir a chama que traz a luz. O debate em torno do tal estaleiro, querida amiga, caros leitores, nada tem de bizantino.

É exatamente por nos esquivarmos de discutir coisas assim, como a proposição de um gigantesco estaleiro na orla urbana da cidade, que chegamos ao ponto onde estamos. Aqui, fique-se claro, não vai nenhuma puxada de sardinha para a brasa de qualquer um dos lados partidários ora em contenda. Não falo – e nunca falarei – de política no varejo. Desde a juventude, sou alérgico a partidos políticos. Falo, isso sim, de uma noção maior de política, falo a respeito de qual projeto de cidade afinal de contas desejamos e estamos erigindo para nós mesmos e para nossos filhos.

Tão esdrúxula quanto a ideia de um empreendimento industrial gigantesco fincado no litoral urbano é a instalação de um jardim japonês encravado na Beira-Mar. O segundo pode até aparentar ser menos polêmico ou menos nocivo do ponto de vista social, econômico, ecológico, paisagístico, urbanístico ou, sei lá, estético do que o primeiro. Mas creio que, ambos, estaleiro e jardim japonês, em maior ou menor escala, são igualmente reveladores de nossos tantos equívocos. Não há, pelo menos ao que eu saiba, uma colônia japonesa constituída em Fortaleza. Qual então o significado daquele monstrengo pretensamente zen plantado em um dos últimos espaços de convivência da cidade? Aquilo não passa de mais uma das tais belas ideias fora do lugar, outra aberração urbana, outro alienígena que pousou na cidade e por ali foi ficando, debaixo da complacência bovina de todos nós.

O que, afinal de contas, isso tem a ver com o tiro que acertou Marcela? – indagará por certo o leitor que teima em buscar compreender os efeitos sem descer ao desvão das causas. Tem tudo a ver, insisto. Não estamos apenas entregando a cidade aos malfeitores, aos turistas sexuais, aos arautos da bagunça, aos políticos talvez bem intencionados que, por serem incompetentes, provavelmente lotarão a ante-sala do inferno.

Nós, também, somos perigosamente belicosos. Cada vez que estacionamos o carro sobre a calçada, tornamo-nos mais selvagens. Cada vez que mudamos de faixa no trânsito sem ligar a sinaleira, contribuímos com a desordem geral. Cada vez que paramos em fila dupla na frente da escola à hora de pegar o pimpolho na saída da aula, reproduzimos a lógica de uma terra sem delicadeza e sem lei. Gentileza gera gentileza, pregava o profeta carioca das ruas. Ao contrário dele, somos habituais fomentadores da grosseria, da falta de educação, da omissão, do oportunismo calhorda.

Se não puxamos pessoalmente o gatilho na direção da cabeça de uma inocente, por vezes nos pegamos fazendo coisa tão nefasta quanto. Estamos matando, pouco a pouco, por sufocamento, uma cidade inteira. Acordemos enquanto é tempo. Fortaleza pede socorro. Barbárie gera barbárie.

PS: Sei que corro o risco de algum parlamentar indecente brandir este texto no plenário da Câmara ou da Assembléia como panfleto político contra fulana ou beltrano. De antemão, repudio-lhe o gesto, Excelência. O senhor sabe bem o tamanho da carapuça que lhe cabe.


E POR FALAR NISSO


Nonato, meu caro amigo.
Obrigado por reproduzir o artigo de hoje, publicado originalmente no DN, em seu blog, do qual sou leitor diário.
O texto, escrito com as tintas da indignação, está repercutindo muito. Em toda a minha vida de jornalista, nunca havia recebido tantos e-mails e retornos como hoje.
È sinal de que apenas verbalizei, em forma de desabafo, aquilo que está preso na garganta de todos nós.
Um abraço do seu velho fã, Lira Neto.

4 comentários:

Lira Neto disse...

Nonato, meu caro amigo.

Obrigado por reproduzir o artigo de hoje, publicado originalmente no DN, em seu blog, do qual sou leitor diário.

O texto, escrito com as tintas da indignação, está repercutindo muito. Em toda a minha vida de jornalista, nunca havia recebido tantos e-mails e retornos como hoje.

È sinal de que apenas verbalizei, em forma de desabafo, aquilo que está preso na garganta de todos nós.

Um abraço do seu velho fã.

Lira Neto disse...

Nonato, meu caro amigo.

Obrigado por reproduzir o artigo de hoje, publicado originalmente no DN, em seu blog, do qual sou leitor diário.

O texto, escrito com as tintas da indignação, está repercutindo muito. Em toda a minha vida de jornalista, nunca havia recebido tantos e-mails e retornos como hoje.

È sinal de que apenas verbalizei, em forma de desabafo, aquilo que está preso na garganta de todos nós.

Um abraço do seu velho fã.

antonio ALTANEIRA f- rocha sp disse...

muito bom este artigo. caro conterraneo e pasmem issto que o sanhor disse alem de vardadeiro esta acontecendo em todo brasil de ponta a ponta com toda as autoridades fechando os olhos pra tudo missto que esta acontecendo nas ruas até das cidades pequenas como assaré e caririaçú com dois crimes barbaros contra mulheres um com o suicidio do autor horas depois e o outro um velho conhecido da policia de assaré que apesar de condenado estava solto e matou uma pobre mãe de familia a facada por que talvaz não queria deixa o mesmo levar os seus bens que se consegue com tanto sacrificio no interior do ceará. pois hgoje o altor deste crime barbaro na cidade de assaré encontra se deitado numa rede em uma sela da delegacia local se é que não já fugil como aconteceu emantonina com outros mal feitores que fazem e acontecem e não ficam preso por muito tempo. e volta a cometer os mesmos delitos e muitas vases com mais crueldade. e não se ver nenhum politico falando em mudança de lei pra acabar com esta festa dos bandidos que hoje sabe dos beneficios que a lei le oferece e aterroriza o cidadão de bem deste pais.é isso ai.

Anônimo disse...

Nonato,
Gostei de e concordei com (quase)tudo que o escritor expôs.
Não sou japonês e nem conheço nenhum em Fortaleza, mas quero ter o direito de freqüentar aquela pracinha (pelo que vi no projeto), porque os japoneses são bons para lidar com plantas, água e meditação ZEN, sim. Qual o problema de termos à disposição uma outra forma de praça pública, mesmo que de outra cultura? Somos muito carentes de espaços verdes e aquele até que é pequeno prás nossas necessidades.

Além de sair do separativismo em que nos encontramos, agindo pra diminuir o fosso social, precisamos meditar muito e irradiar luz, porque já há experimentos comprovando que a meditação consegue interferir positivamente nas pessoas, a ponto de reduzir a criminalidade. Paz e Bem!
Abs,
Janio