Pássaro ferido, sem condições de canto, engaiolado num corpo em forma de presídio, a alma humana, às vezes, convive com provações nem sempre explicáveis à luz da Ciência. Era como eu via o amigo Eugênio Stone, um menino passarinho como na canção de Vieira e que carregou nos últimos anos a moléstia que anoiteceu sua memória afastando-o do convívio do trabalho que o fez ser reconhecido como músico, radialista, criatura das mais bem humoradas de se conviver e que, hoje, se libertou da prisão.
Ainda ontem à noite, durante um live da FEEC-Federação Espírita do Estado do Ceará, abordando o problema do luto e das perdas causadas pela atual pandemia, citei o caso dele, impedindo de cumprir a sua atividade. E pedi vibrações. Cláudio Teran, em suas redes sociais, me atualiza sobre o tempo em que ele conviveu com a doença: desde 2011.
Alma inquieta de poeta e músico, que sabia tratar de assuntos diversos com a sabedoria de um aprendiz e a segurança de um mestre, Eugênio fez seu nome no rádio. E, incrível, sai do ar (da vida) exatamente no dia do radialista.
Ele e eu estivemos juntos sempre no rádio. Na FM 93. Na AM DO POVO, ele revelou seu lado irreverente com um personagem, 'Eu, gênio', que iluminava o programa com a graça e o humor stoniano.
Sua presença era agradável. Sua conversa, estimulante. Seu sorriso, alimentava outros. E quando nos reuníamos para celebrar vitórias da profissão ou, simplesmente, tomar umas geladas para nos fazermos mais próximos, era do Eugênio as boas tiradas. Quem melhor do que eu para dizer da emoção de suas crônicas, alguma feitas de improviso no horário das tardes. Pena que o rádio cearense não preserve sua memória em arquivos históricos.
Quando nos apartamos da convivência do trabalho na emissora, ele foi atuar na Assembleia Legislativa, como cerimonialista, deixando uma saudade que era compreensível pela busca de novas empreitadas, Mas como na vida, toda perda tem a sua porção de lucro, fomos descobrir Stone entre os amigos de ideal espírita. Sua atuação orientando os cursos do GEPE é inesquecível.
A última vez que o visitei em sua casa, ele já não reconhecia as pessoas. Não tinha a mobilidade do jovem que, um dia, conhecemos. O mal de alzheimer retirara de seu cérebro dados, datas, nomes, identidade. Possivelmente, o íntimo de sua alma tinha noção das causas dessa provação. Ele dignificou esse estágio com a nobreza dos sábios. Deixa a dimensão terrena para adentrar no mundo real de onde todos nos originamos e para onde retornaremos quando chegar a nossa hora.
Pássaro livre, em condições de voo, seu canto sublimará as alturas e compensará aos que se acham perdidos no meio do caminho.