A semana serviu para se discutir o papel do jornalismo durante as entrevistas com os candidatos à Presidência da República. Os jornalistas do JN da Globo, William Bonner e Renata Vasconcellos, estiveram no centro das discussões, além da atuação dos entrevistados.
A ombudsman de O Povo, Daniela Nogueira, criticou "o modo rude e agressivo" com que os entrevistadores interrompiam os convidados, além de destaczar "o tom agressivo, a postura por vezes hostil e a condução que não permitia espaço suficiente ao candidato levaram a questionamentos inúmeros acerca do papel do jornalismo em situações afins".
Com a campanha eleitoral local ainda em temperatura morna, as atenções se voltam mais fortemente para o cenário nacional. Na semana que passou, a rodada da sabatina com presidenciáveis na tevê movimentou discussões reais e acalorados debates virtuais. A diversidade dos temas atingiu desde a exiguidade dos tempos para as propostas dos candidatos até a postura dos entrevistadores - que, em alguns casos, se revezaram com os presidenciáveis nas respostas.Ao participar da primeira entrevista no Jornal Nacional, o candidato Ciro Gomes chegou a pedir para finalizar uma das respostas. "Se você deixar, eu concluo" - falou para o jornalista William Bonner, que entrevista os presidenciáveis com Renata Vasconcellos no programa. De acordo com o cronômetro de quem ousou contar, dos 27 minutos dedicados à entrevista, 44% foram utilizados pelos entrevistadores - um percentual alto para ser gasto por quem deveria mais ouvir do que dizer. O tom agressivo, a postura por vezes hostil e a condução que não permitia espaço suficiente ao candidato levaram a questionamentos inúmeros acerca do papel do jornalismo em situações afins.
Sim, o
jornalismo existe para ser provocativo e questionador. O jornalista se forma
para ser igualmente confrontador. É natural que, quando se faz parte de uma
entrevista, quer-se ouvir mais da parte que mais interessa. O leitor, o
ouvinte, o espectador, o usuário precisa dessa recepção. Ali precisaria receber
a informação, precisaria ouvir o candidato, que, em muitos casos, nem espaço
teve para se manifestar.
Tensão
A conduta
foi a mesma com os demais presidenciáveis - Alckmin, Bolsonaro e Marina. O mais
lamentável, entretanto, deu-se durante a conversa com o candidato Jair
Bolsonaro, ao ser questionado acerca do que faria para reduzir a desigualdade
salarial entre homens e mulheres. Os trechos foram amplamente reproduzidos há
alguns dias. Bolsonaro, em vez de tentar responder à pergunta, ocupou-se em
levantar suspeitas sobre o salário da entrevistadora: "Temos aqui uma
senhora e um senhor. Não sei ao certo, mas com toda certeza há uma diferença
salarial aqui, parece que é muito maior pra ele que para a senhora".
Ocasiões
parecidas, em que o entrevistado tenta deixar o jornalista em uma situação
desconfortável, são tão comuns quanto deploráveis. Mais do que descortês, a
atitude é desrespeitosa e ofensiva, pois consegue atingir informações da vida
pessoal de alguém, mesmo não sendo uma pessoa que ocupe um cargo público. É
importante lembrar que, momentos antes, outra citação também afrontosa havia
sido levantada pelo candidato, em direção ao jornalista William Bonner, acerca
de casamento e separação. Havia mesmo contextualização para indiretas do tipo?
E o que o jornalista deve fazer, então, ao se ver em situações constrangedoras
como essas?
Ao
participar de uma entrevista, principalmente ao vivo, o jornalista sabe que
estará diante de uma situação de tensão e emoção para ambos os lados. Está ali
para questionar, tem de estar bem preparado, tem de ter feito uma boa produção
com perguntas desafiadoras, precisa estar munido de temas que façam parte do
contexto do entrevistado e, ao mesmo tempo, tem de ter equilíbrio e discernimento
para não se envolver ou se deixar entrar no jogo emocional.
Não é raro
ouvirmos ou lermos que tal entrevistador "não estava preparado" ou
"estava inseguro". Quase sempre é perceptível para o espectador. É a
experiência que norteará o rumo das melhores atitudes a serem tomadas. Requer
muito equilíbrio e firmeza. Quando se trata de uma entrevista política, em
plena campanha eleitoral, é salutar que o tom seja sério, até sisudo. O que não
se pode admitir é a violência de lado algum, é a troca de ofensas.
Por um
lado, há um time de jornalistas que não deixa tempo para os candidatos
esboçarem seus pensamentos e propostas. E parece fazerem questão de uma
interrupção de modo rude e agressivo. Por outro, surgem candidatos que acham
que, com ironia, desrespeito e constrangimento, contribuirão, de alguma forma,
para o jornalismo político. Qual espaço sobra para as propostas?
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