Ricardo Kelmer, é um colega nosso dos tgempos do Curso de Comunicação Social da UFC e um dos talentos mais criativos que eu conheço - tem livros publicados, escreve peças, dirige shows e já participou da equipe de criação da Rede Globo. É um dos amigos que eu prezo em todo esse tempo de lides jornalísticas. Ele me enviou pelo e-mail sua última crônica, "Entrevistando o Candidato", com uma bem humorada versão de o candidato Bolsonaro responderia a um debate irreverente.
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Sentado em frente ao apresentador de tevê, o candidato aguarda o início do programa de entrevista. Alguém no estúdio informa: “Entramos ao vivo em 5, 4, 3, 2, 1...” Toca a musiquinha do programa. O candidato olha para a câmera, sorri e faz um gesto com a mão imitando uma pistola. O apresentador começa:
‒ Candidato, primeiramente, quero agradecer, em nome da emissora, pelo senhor ter aceitado nosso convite para esta entrevista.
‒ Eu que agradeço.
‒ Neste primeiro bloco, o desafio consiste em testar o poder de síntese do candidato. O senhor deve responder a cada pergunta o mais resumidamente possível. São perguntas do povo, enviadas por pessoas simples.
‒ Estou pronto, pode mandar a primeira.
‒ Candidato, o senhor gosta de verdura?
‒ Muito. Inclusive, se eu for eleito, criança vai ser obrigada a comer verdura no café, no almoço e no jantar. Não comeu, vai pro pau-de-arara.
‒ Candidato, em caminho de rato, tatu caminha dentro?
‒ Ahn... Olha, sobre isso, quero avisar que vou legalizar o porte de arma, sim, e vai ser permitido caçar não só tatu, mas principalmente veado. Se um veado for visto andando solto aí pela rua, poderá ser abatido a tiro por qualquer cidadão de bem.
‒ Se o senhor for direto por essa rua, vai dar onde?
‒ Ahnn... veja bem... O problema do trânsito nas grandes cidades é culpa desse pessoal comunista que só sabe dirigir na faixa da esquerda. No meu governo todo mundo vai ter que dirigir pela direita, entendeu?
‒ Dizem que o senhor conta muitas piadas para os amigos. O senhor não tem medo de ficar queimado na rodinha?
‒ Medo de quê?
‒ De ficar queimado na rodinha.
Candidato pensa.
‒ Olha... Eu só tenho medo é de mulher feia. Aliás, mulher feia é a desgraça da humanidade, não serve pra nada. Nem pra ser estuprada.
‒ O senhor concorda com a seguinte afirmação: Se é para falar besteira, é minhoca lá?
‒ Sim... claro. Mas não nos calaremos diante da pedofilia nos museus. Chega dessa pouca vergonha. Liberdade artística é o caralho. Aliás, vou mandar fechar os museus e transformar tudo em igreja. Deus, pátria e família!
‒ O senhor prefere café de máquina ou o senhor acha que no coador é mais forte?
‒ Café de máquina. Inclusive, no meu governo vou transformar esses quilombos em lavoura de café. Esses afrodescendentes aí, tudo gordo, bando de macumbeiro, só fumando maconha... Essa moleza vai acabar, pode escrever.
‒ Se o senhor fosse caminhoneiro e precisasse transportar madeira para as cidades de Tupi e Juá, o senhor levaria madeira até em Tupi ou levaria até em Juá?
‒ Bem... eu... Vem cá, essas perguntas foram enviadas por quem?
‒ Por várias pessoas.
‒ Hum. Olha, caminhoneiro macho pega qualquer serviço. E tem mais. No meu governo, mulher que ganhar mais que homem vai ter que pagar imposto maior, pra compensar que engravida.
‒ Se o senhor fosse feirante e vendesse abacaxi, por quanto sairia a sua rodela?
‒ Minha o quê?
‒ Sua rodela.
Silêncio. Candidato desconfiado.
‒ No meu governo... eu... Mas que pergunta é essa?
‒ O senhor tem o direito de não responder.
‒ Eu não vou responder a essa pergunta.
‒ Ok, prosseguindo. Se o senhor e eu fôssemos caçar no mato, e o senhor pegasse um avestruz e eu um tucano, o senhor se importaria de ir na frente com o avestruz e eu com o tucano atrás?
Silêncio. Candidato muito desconfiado.
‒ O senhor quer que repita?
‒ Não precisa. Próxima pergunta.
‒ O senhor tinha uma galinha que se chamava Xu. Quando ela ficava grávida, o senhor acha que Xu paria um ovo ou Xu paria um pinto?
Silêncio. Candidato vermelho de raiva.
‒ Tempo esgotado, candidato. Vamos à próxima pergunta.
‒ Não vamos porra nenhuma! Que merda de entrevista é essa?
‒ Como falei, são perguntas enviadas por pessoas de...
‒ Vai tomar no cu, ô pederasta safado! Por isso que eu digo que o erro da ditadura foi torturar e não matar! Acabou a entrevista.
Candidato levanta da cadeira, arranca o microfone da roupa e sai, espumando de ódio.
‒ Candidato, me desculpe se eu lhe machuquei por dentro... É que eu sou muito cabeça dura.
‒ Sua sorte é que eu não estou armado agora! Bando de comunista desgraçado!
‒ Já que o senhor vai mesmo embora, mando um abraço para o senhor e para quem for da sua família todinha.
Candidato sai do estúdio, mas seus berros são ouvidos.
‒ Fascista é a puta que te pariu! Desaparecidos do Araguaia é o caralho, quem procura osso é cachorro!! Direitos humanos pra humanos direitos!!! Eu sou capitão do Exército, minha missão é matar!!!! Pinochet devia ter matado mais gente!!!!!
(Ricardo Kelmer - blogdokelmer.com)
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