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O jornal vai morrer. É a ameaça mais constante dos especialistas. E essa nem é uma profecia nova. Há anos a frase é repetida. Jornais desaparecem em vários países, tiragens diminuem, redações emagrecem. O tempo que o leitor, em média, fica diante de um exemplar encurta. Experiências são feitas para atrair leitores na era da comunicação nervosa, rápida, multicolorida, performática. Mas o que é o jornal? Onde mora seu encanto?
O que é sedutor no jornal é ser ele mesmo e nenhum outro formato de comunicação de ideias, histórias, imagens e notícias. No tempo das muitas mídias, o que precisa ser entendido é que cada um tem um espaço, um jeito, uma personalidade. O pior erro que se pode cometer é um meio negar sua própria natureza e tentar ser outro dos muitos seres que povoam esse mundo, seres que agora se multiplicam.
É intenso o mundo da comunicação de hoje e não permite muitos erros. Trabalha-se num meio mutante e desafiador. Quando surge uma nova mídia, há sempre os que a apresentam como tendência irreversível, modeladora do futuro inevitável e fatal. Depois se descobre que nada é substituído e o novo se agrega ao mesmo conjunto de seres através dos quais nos comunicamos.
O livro vai morrer, dizem os mesmos especialistas que atestam o fim dos jornais. E o livro migra, muda e fica. Parati e para mim. Fica em papel ou em meio digital, como um dia foi pergaminho, papiro. Os livros têm o encantamento eterno que faz, ainda hoje, jovens disputarem concursos literários, pessoas de todas as idades circularem por festivais como a Flip — ou Clip, como diria Veríssimo — e as bienais. Livros forjam pessoas, personalidades e sensações; marcam momentos e etapas da vida.
A biblioteca da exposição “Humanidades” foi formada pela mesma pergunta feita a pessoas de áreas diferentes: que livros influenciaram sua formação? Há pessoas que diante dessa pergunta podem até ficar constrangidas. Há outras que souberam os marcos do caminho da sua própria construção.
Leitora compulsiva de jornais desde a infância, não saberia viver sem eles. Leitora obsessiva de livros, só fiquei sem eles uma única vez na minha vida e foi sob a mira de armas. Na prisão, fui proibida de ler. Fazia parte do tormento. No longo silêncio sem livros, sem jornais, eu lembrava trechos dos livros mais amados. “Diadorim, meu diadorim”. E me sentia liberta.
Migrante por todas as mídias, conheço a força e o jeito de cada uma. Jornal, rádio, televisão, revista, blogs, sites, twitter e tudo o que mais vier. Aqui, neste matutino carioca (O Globo), começou este ano um produto vespertino específico para tablets. E ele é diferente de todas as outras mídias e preenche um vazio que nem se sabia que existia. Isso é que é curioso. A tecnologia de comunicação inventa a estrada e logo surgem produtos novos de comunicação. E tudo que circula é o mesmo e é diferente. É notícia, imagem parada ou em movimento, ideias, reflexões, opiniões.
Sempre aparecem os que garantem que um meio está morrendo, porque o outro nasceu e, na verdade, eles todos convivem. E a mudança continua em ritmo veloz. Quem não se lembra do vaticínio sobre o rádio? Tudo fica e muda. Essa é a natureza da era da comunicação vertiginosa.
Quando criança, eu me sentava ao lado do meu pai assim que o jornal chegava e colhia os suplementos que caíam do seu primeiro olhar, e depois vasculhava as partes centrais já lidas por ele. Lembro desses momentos com ternura. Da leitura conjunta brotavam discussões acaloradas sobre nossas divergências de opinião. Assim cresci.
Sábado passado eu estava mergulhada na leitura dos jornais, quando Mariana, minha neta de seis anos, acomodou-se ao meu lado no sofá, imitando meu jeito de sentar e perguntou:
— E o meu?
— O seu o que?
— O meu jornal!
— O seu o que?
— O meu jornal!
Dei para ela o Globinho, o Estadinho. Não achei a Folhinha.
A cara dela de satisfação era de derrubar as convicções sobre o fim iminente do jornal. Daniel, meu neto de dois anos, chegou exigindo o seu exemplar de uma forma, digamos, insistente. As páginas terminaram partidas.
Os jornais vão acabar, garantem os especialistas. E, por isso, dizem que é preciso fazer jornal parecer com as outras formas da comunicação mais rápida, eletrônica, digital. Assim, eles morrerão mais rapidamente. Jornal tem seu jeito. É imagem, palavra, informação, ideia, opinião, humor, debate, de uma forma só dele.
Todos os jornais passaram a ter sites onde as notícias se movem o dia inteiro e as imagens em movimento se misturam a fotos. E como todos os sites estão olhando todos os sites, eles vão mudando o dia inteiro. Um copiando o outro. Dias atrás, vi um em que uma notícia começava em português e terminava em espanhol; um ideal há muito sonhado no mundo ibero-americano: a fusão dos dois idiomas.
Nesse tempo tão mutante em que se tuíta para milhares, que retuitam para outros milhares o que foi postado nos blogs, o que está nos sites dos veículos onlines, que chance tem um jornal de papel que traz uma notícia estática, uma foto parada, um infográfico fixo?
Terá mais chance se continuar sendo jornal.
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