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domingo, 15 de janeiro de 2023

LEITURAS. Texto excelente da Tatiana Dias no Intercept_BR

 

De terça para quarta-feira, a Jovem Pan passou por uma limpa em seus canais no YouTube. O canal dedicado ao Morning Show, um dos principais programas da emissora, teve 1.515 vídeos escondidos de um dia para o outro.

O robô da Novelo, empresa de análise de dados que faz sistematicamente uma ronda por canais de direita, também detectou que só no canal do programa "3 em 1", haviam sido 3.666 mil vídeos apagados no mesmo período. O Jovem Pan News ainda perdeu 77 vídeos. No total, 5.258 vídeos evaporaram dos canais da Jovem Pan do dia para a noite. 

Na quarta-feira, a emissora divulgou um comunicado afirmando que sofreu um ataque em seus canais, o que poderia explicar a limpa. O incidente foi confirmado ao Intercept pelo YouTube. Na madrugada de terça para quarta, os perfis da emissora foram alterados para o nome "Tesla News" e "Tesla Event". 

A maioria dos vídeos apagados já voltou ao ar, mas 1.516 seguem indisponíveis, segundo uma nova ronda do robô feita na noite de quarta-feira. Foram colocados como "privados" pelo dono do canal – ou seja, não acessíveis para o público e não detectáveis na busca. São conteúdos de 2015 a 2022. Um outro vídeo, uma transmissão do programa Linha de Frente de terça-feira, 10, também foi apagado. O Google afirmou ao Intercept, na quarta-feira, que os acessos já haviam sido restabelecidos.

O ataque e o sumiço dos vídeos aconteceram dois dias depois que a emissora virou alvo de uma investigação do Ministério Público Federal de São Paulo por espalhar notícias falsas que colocam em risco a democracia brasileira. 

O inquérito instaurado pelo MPF na última segunda-feira, 9, detalha uma série de conteúdos da emissora que incitaram o golpismo e questionaram o processo eleitoral e a democracia – em uma escalada de ataques que culminaram no ato terrorista de 8 de janeiro, em Brasília. Para o MPF, a emissora veiculou "numerosas falas com potencial para incentivar e mesmo instigar atos antidemocráticos".

O inquérito cita uma série de conteúdos problemáticos. Em um vídeo, por exemplo, a ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel diz que "(Não é possível) saber se tivemos fraude, porque as urnas não são auditáveis, não existe o voto físico". Em outra, Rodrigo Constantino afirmou que a eleição de Lula era “fruto de um malabarismo do Supremo”. Zoe Martinez também "defendeu expressamente que as Forças Armadas destituam dos Ministros do Supremo Tribunal Federal", segundo o documento.

A reação da emissora foi imediata. Um dia depois da abertura da investigação, a Jovem Pan anunciou a demissão de quatro comentaristas: os próprios Rodrigo Constantino, Zoe Martínez, Paulo Figueiredo e Marco Costa. Augusto Nunes e Guilherme Fiúza já haviam sido demitidos na semana seguinte à eleição de Lula. Ana Paula Henkel saiu logo depois. Outra consequência da investigação foi a saída de Tutinha da presidência da emissora. 
 
O MPF fez uma série de questionamentos à emissora, incluindo informações sobre seus comentaristas. Também exigiu do Google, responsável pelo YouTube, informações detalhadas sobre as postagens da emissora, incluindo os canais e vídeos que foram alvo de moderação de conteúdo. O procurador também pediu que o YouTube preserve cautelarmente a íntegra de todos os vídeos publicados de janeiro de 2022 até agora. 

"O MP, assim que instaurou o inquérito, determinou que fosse preservado todo o conteúdo para evitar qualquer perda", disse um dos procuradores do caso ao Intercept. Sobre os vídeos apagados, o órgão afirmou que irá verificar os desdobramentos. Em ocasiões anteriores, a empresa foi capaz de recuperar o conteúdo perdido, o que não necessariamente impede possíveis investigações. 

O Intercept procurou a Jovem Pan questionando o posicionamento da empresa sobre o inquérito e sobre os vídeos que sumiram do canal. A assessoria de imprensa que atendia a emissora em 2022 não é mais a responsável pelo atendimento. A  Jovem Pan não respondeu ao pedido de informações enviado diretamente à sua caixa de mensagens.

Ao Intercept, o Google confirmou o ataque, mas disse que não irá comentar o inquérito.

A Jovem Pan, vale lembrar, foi considerada "case de sucesso" como canal de notícias pelo Google, como contei em uma newsletter do Intercept em agosto de 2022. Chegou a receber em 2018 300 mil dólares da big tech para consolidar seus canais no YouTube, de acordo com uma reportagem da piauí. 

Em novembro de 2022, no entanto, os canais da emissora foram desmonetizados pela gigante de tecnologia. Em nota, o Google afirmou que o canal Os Pingos nos Is, da emissora, havia incorrido "em repetidas violações das nossas políticas contra desinformação em eleições e nossas diretrizes de conteúdo adequado para publicidade, incluindo as relacionadas a questões polêmicas e eventos sensíveis, atos perigosos ou nocivos, além de outras políticas de monetização".

Tatiana Dias
Editora Sênior

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