Jesus Cristo nunca manuseou papel. Átila, Gengis Khan e Vlad, o Empalador, não conheceram o canhão. Dante, Chaucer e Boccaccio nunca souberam o que era a tipografia. Cleópatra nunca usou papel higiênico, nem Joana d'Arc escova de dentes. Jane Austen nunca saiu sozinha de casa. Balzac não conheceu a máquina de escrever e Flaubert nunca escreveu sob luz elétrica. D. João 6º nunca viajou de navio a vapor, D. Pedro 1º nunca andou de bicicleta e D. Pedro 2º nunca passeou de automóvel.
Santos-Dumont nunca tomou um avião, exceto os que ele construiu. Machado de Assis nunca usou caneta-tinteiro, nem Graciliano Ramos caneta esferográfica. Enrico Caruso não conheceu a gravação elétrica, Francisco Alves nunca gravou um LP e Carmen Miranda morreu antes do som estereofônico.
Rodolfo Valentino nunca tirou uma foto em cores e muito menos fez um filme colorido. Friedenreich jamais teve um gol transmitido pelo rádio, nem Leônidas da Silva pela televisão. Garrincha nunca se beneficiou do cartão amarelo contra os adversários que puxavam sua camisa. Zequinha de Abreu nunca veio ao Rio. Noel Rosa nunca foi a São Paulo.
Bach nunca compôs ao piano. Baudelaire nunca mandou ou recebeu um telegrama; Rimbaud nunca recebeu ou mandou um cartão postal. Maquiavel nunca ouviu a expressão "maquiavélico", nem Kafka "kafkiano". Freud e Trótski, assim como Rommel e Yamamoto, nunca souberam quem ganhou a 2ª Guerra. Getulio Vargas jamais pensou em Brasília. Aldous Huxley nem sequer imaginou a internet. Marilyn Monroe nunca soube que John Kennedy foi assassinado. Jean-Paul Sartre escapou de ser alvo do Me-Too. E, por questão de meses em 1990, Luiz Carlos Prestes deixou de ver o fim da URSS.
Ricardo Boechat, Bibi Ferreira e João Gilberto, entre nós até outro dia, nunca souberam do coronavírus.
Para sorte de todos eles, nada disso lhes fez falta.
Ruy Castro (Folha de SP)
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