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domingo, 28 de janeiro de 2018

JORNALISMO. Ombundsman analisa publicação de O Povo

Uma publicação constrangedora

 28/01/2018

  Uma foto, por si só, carrega vários sentidos. Quando olhada em um contexto, em um evento, ganha sua expressão e significância. Isso foi perceptível na semana que passou em uma postagem no O POVO. Na quarta-feira passada, 24/1, logo após o julgamento que manteve a condenação do ex-presidente Lula, por 3 votos a 0, O POVO publicou, em seu perfil no Facebook, uma imagem que mostrava o placar da votação dos desembargadores com uma foto da mão do ex-presidente. Do lado do número 3, em destaque no primeiro plano, os dedos de Lula. Ao fundo, uma multidão. Duas leituras foram marcantes para leitores que se incomodaram com a publicação: o posicionamento político, contra o ex-presidente, a partir de uma impressão de desdém e escárnio após o resultado do julgamento do TRF-4; e uma ideia de deboche com a deficiência de Lula, que não tem um dos dedos das mãos. Não creio que alguma delas tenha sido intenção do O POVO. Seria pouco responsável se assim o fosse. De todo modo, foi uma escolha infeliz. A imagem é usada pela própria militância que apoia o ex-presidente como símbolo de força e de resistência. (O ex-presidente perdeu o dedo em um acidente de trabalho quando era metalúrgico.) “Ao longo da história, Lula se apropria do estigma como marca e força – tanto que a imagem foi usada pela assessoria dele em diversos momentos e isso também não é desprovido de sentido e intenção. As imagens não são inocentes ou ‘puras’”, destaca a jornalista Iana Soares, editora do Núcleo de Imagem do O POVO. Em outro contexto, a imagem teria sentido positivo. Na publicação do Facebook O POVO Online, ganhou ares de gozação. “No post, não há uma simples exposição da imagem. Foi um erro grande. A avaliação feita por muitos leitores (e por mim) não é implicada apenas por paixões e ânimos acirrados, mas por associações simples do senso comum, reforçadas pela relação entre imagem e texto”, avalia Iana.  

Repercussão negativa
O dia estava tenso, com o Brasil eufórico e polarizado política e ideologicamente. Desde cedo, O POVO anunciava que seria um dia “histórico” e mantinha uma cobertura séria, com análises fundamentadas. Ao fazer essa publicação em uma mídia do Grupo, põe-se toda a cobertura em suspeição. Recebi do leitor Américo Souza, historiador e ex-membro do Conselho de Leitores do O POVO, um longo email, em que classifica o caso como uma “vulgar expressão de sensacionalismo grosseiro e flagrante manifestação de parcialidade política”. Para ele, faltaram discernimento, responsabilidade e ética. “Ao fazer uso de uma imagem da mão mutilada do Sr. Luiz Inácio como fundo ilustrativo do placar da votação de seu julgamento, O Povo inequivocamente se pôs ombreado aos adversários políticos que tomaram como meta a desconstrução dele e de seu legado para as lutas populares no Brasil”, observou. Para a leitora Anna Karine Lima, a publicação foi inadequada: “Que mau gosto, para não ter de perder meu tempo procurando outro adjetivo”. Samuel Miranda, professor, enviou: “Existem o repórter, o chefe de redação e o editor. Todo mundo fez uma escolha infeliz? Esperamos uma retratação do jornal”. O leitor Herlanio Evangelista Silva se sentiu ofendido: “Como deficiente, me sinto atingido pela publicação. Peço que O POVO se retrate em primeira página”. A repercussão foi tão negativa que a postagem foi apagada poucos minutos após a publicação. Era minimamente o que se poderia fazer para amainar os efeitos desagradáveis da reverberação do caso. Mas foi pouco. Não bastava apenas ter excluído a foto. Um pedido de desculpas, um comunicado público indicando o equívoco, alguma satisfação teria de ser dada aos inúmeros leitores que se sentiram insultados. “Erro de avaliação”
Érico Firmo, coordenador do Digital e editor do O POVO Online, reconheceu que houve “um erro de avaliação” ao se pensar que, pelo fato de a imagem ser usada constantemente por Lula e pelo fotógrafo, não teria a leitura que teve: “A intenção da foto em nenhum momento foi de debochar, fazer gracinha, tripudiar da deficiência de Lula e/ou do resultado do julgamento. Lamentamos e pedimos desculpas àqueles a quem ofendemos. Ainda que tenha sido o resultado, de forma alguma era esse nosso objetivo ou desejo”. Segundo ele, a imagem seria usada com qualquer resultado. Foram feitas simulações com quatro placares, contrários e favoráveis a Lula. A questão não foi simplesmente o uso da imagem. Foi o contexto em que ela está inserida. Deu amplamente margem à interpretação de ofender o personagem em questão e os leitores que entenderam ter ali um posicionamento político. Em casos assim, o cuidado deve ser multiplicado. Não se deve pôr a perder todo um esforço de noticiar com rigor a partir de uma postagem equivocada e inoportuna. 

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