Orlando Silva, considerado o primeiro ídolo de massa da MPB, faria 100 anos neste sábado, dia 3. A Folha de SP preparou matéria alusiva ao evento, onde destaca um cearense que é um dos raros artistas a homenagear Orlando com a gravação de um disco.
Se entre críticos e pesquisadores é quase unânime que Orlando Silva, cujo centenário de nascimento se comemora neste sábado (3), foi o maior cantor popular brasileiro, há outras certezas mais certas.
Uma delas é que ele foi também o primeiro ídolo de massa da MPB, durante a era de ouro do rádio, simultânea ao auge de Orlando, entre a metade dos anos 1930 e o começo dos anos 1940.
Para quem nunca ouviu falar –senão o confundindo com o político homônimo, ex-ministro do Esporte e hoje deputado federal pelo PC do B-SP–, cabe outra verdade irrefutável: muitos dos grandes intérpretes de hoje beberam em Orlando.
João Gilberto o teve como primeiro ídolo. Roberto Carlos já se declarou seu fã, assim como Caetano Veloso e Paulinho da Viola.
Os discípulos vinham de antes: Nelson Gonçalves dizia que começou imitando Orlando. Lucio Alves e Roberto Silva seguiram a escola dele.
Soa esquisito, portanto, que o centenário de Orlando Silva venha cercado de comemorações isoladas e discretas.
Fã do cantor desde a infância em Juazeiro do Norte (CE), quando ouvia os pais acompanharem o ídolo pelo rádio, Zé Guilherme é um dos raros intérpretes a homenageá-lo com um disco no centenário.
No independente "Abre a Janela", o cantor reinterpreta 18 canções consagradas por Orlando, que jamais foi compositor, pelo menos não "stricto sensu".
"Como Elis, ele foi quase um coautor das músicas que interpretava. Tinha uma estética de canto que o aproximava de um compositor", observa Zé Guilherme.
Noutro sintoma do desdém em torno do centenário, o cantor cearense conta que bancou do próprio bolso o disco e uma reedição da biografia "O Cantor das Multidões", de Jonas Vieira, que estava esgotada.
Entre as raras boas iniciativas está também uma série especial em cinco capítulos na rádio on-line Batuta (radio batuta.com.br), do Instituto Moreira Salles, capitaneada pelo jornalista João Máximo. O primeiro foi ao ar na última terça, o último será publicado no sábado –depois toda a série ficará disponível no site.
O Instituto Cravo Albin, presidido pelo pesquisador Ricardo Cravo Albin, coordena uma série de festejos no Rio, de uma sessão na Assembleia Legislativa que concederá uma comenda "post mortem" a Orlando a saraus e shows (leia abaixo).
Por fim, em novembro deve vir à luz, com uma exibição na Cinemateca, o longa-metragem "Quero Dizer-te Adeus", dirigido por Dimas Oliveira Junior, uma cinebiografia de Orlando sem previsão de entrar em circuito.
SUAVE
Foi graças a Orlando que os intérpretes descobriram ser possível cantar bem sem precisar se esgoelar. Até ele, que explodiu quase junto com o advento do microfone elétrico, os ídolos –como Vicente Celestino e Chico Alves– dependiam mais dos pulmões que da garganta.
"Na voz dele, os versos não têm medida, não terminam nem começam, se intercalam. Você se pergunta: que horas ele respirou?", comenta o historiador e crítico José Ramos Tinhorão, para quem jamais houve outro cantor, no Brasil ou no mundo, como Orlando.
Outra verdade cristalina em torno de Orlando Silva é a de que tornou-se astro graças unicamente à sua voz.
"Vicente Celestino, Chico Alves, Silvio Caldas –eram todos galãs. Orlando era um homem feio, que enfeitiçou o público pela magia da sua voz", afirma o pesquisador Ricardo Cravo Albin.
"Ele não sabia dançar, não requebrava. Mas em Porto Alegre uma vez o público de um Gre-Nal o obrigou a cantar 'A Jardineira' ['Ó, Jardineira, por que estás tão triste...']; noutra, em Belém, reuniu multidão maior que o Círio de Nazaré. Conquistou as massas graças à sua voz e seu repertório", relata o biógrafo Jonas Vieira.
AUTODIDATA
Nascido numa família pobre no subúrbio do Rio, Orlando foi autodidata e começou a chamar a atenção pela voz quando era cobrador de ônibus –cantando durante as viagens. Foi levado ao rádio pelo ídolo Francisco Alves, e acabaria por superá-lo.
Em turnês a São Paulo em 1938, arrastou milhares de fãs ardorosos às suas apresentações nos teatros das rádios, o que lhe rendeu o apelido de "Cantor das Multidões".
"Assim como Roberto Carlos foi o primeiro ídolo criado pela TV, Orlando foi o primeiro produzido pelo rádio, embora a comparação pare aí –Roberto é bom cantor, mas não tem a excepcionalidade de Orlando", diz o pesquisador Jairo Severiano.
São notórias histórias de fãs pelo Brasil burlando a segurança de hotéis e se escondendo nos armários do quarto dele, tietagem inédita até ali, tanto mais para um astro feio.
MORFINA
Clássicos como "Carinhoso", "Lábios que Beijei", "Rosa", "Abre a Janela" e "Alegria" são até hoje associados às interpretações irretocáveis de Orlando.
O melhor dele foi lançado entre 1935 e 1942 (para alguns 1943). A partir daí, a droga e o álcool acabaram com sua voz. O astro tombou junto.
Segundo o jornalista Ruy Castro, que dedicou um capítulo a Orlando em "A Onda que se Ergueu no Mar", a droga que infernizou o cantor foi a morfina, a partir de 1943. Jonas Vieira, que em sua biografia de Orlando evita nominar a droga (usa "tóxico"), defende que era cocaína injetável.
Quando morreu, em 1978, aos 62 anos, Orlando vivia escanteado já fazia tempo.
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