A comunicação política, à falta de aconselhamento independente, profissional e exterior às organizações, ficará ainda mais afastada dos cidadãos e dos seus interesses.
O que fazem os dirigentes do futebol quando querem “esconder” os maus resultados? Falam do “sistema”. O que fazem os políticos quando querem disfarçar a falta de ideias e argumentos? Falam do “marketing”. Dos outros, pois claro, porque, por definição, só “os outros” é que têm marketing.
Em política o “marketing” surge quase sempre associado à ideia de “agências de comunicação”. Mesmo quando, como acontece num caso recentemente relatado, se trata de uma agência de publicidade ou quando os investimentos feitos na minha indústria são de valores rídiculos (2 ou 3 mil euros por mês) – daí serem por ajuste direto – se comparados com os negócios de milhões proporcionados pelas decisões da administração central e autárquica.
Essa associação ocorre devido à importância que, na acção política, têm ganho as disciplinas associadas ao conselho em comunicação e à notoriedade que alguns consultores granjearam com a qualidade e a eficácia dos seus trabalhos.
À notoriedade (e aos ganhos económicos que ela provoca) sucede-se a proliferação da oferta (muitas vezes associada à desvalorização dos princípios éticos) e, em meios pequenos como o nosso, o surgimento de factores subjectivos como a inveja e o despeito.
Há duas décadas, quando um político tinha “má imprensa” dizia que os jornalistas eram comprados. Agora diz que “a culpa” é das agências de comunicação.
Durante muitos anos a maioria das consultoras de comunicação olhava para a actividade política, sobretudo a partidária, como um segmento de mercado a evitar, temendo que, se nele operassem, pudesse haver reacções negativas da parte de clientes do sector crítico que é a actividade económico-empresarial.
Não foi o caso da LPM, a consultora que fundei e dirigi durante duas décadas e meia. Como tínhamos feito em relação à defesa mediática de grupos de interesses também abraçámos a comunicação política com entusiasmo e empenho.
Com esta estratégia empresarial ganhámos um alargamento das nossas competências profissionais – as quais potenciámos, aliás, para as actividades noutros segmentos de mercado. E ganhámos, também, uma enorme notoriedade.
Nos últimos anos, todavia, fomos identificando alguns obstáculos para o prosseguimento dessa estratégia: desde a proliferação da oferta, incluindo experiências oportunísticas com origem nas próprias organizações políticas ou nos seus activistas, até à crescente escassez de meios financeiros colocados à disposição dos agentes políticos e da administração pública.
Agora, como temos visto, um novo obstáculo está a ser erguido e este parece-me intransponível e a exigir decisões drásticas: o factor reputação.
Os recortes dos últimos dias permitem-me concluir que aceitar trabalhar no mercado da política se tornou, hoje em dia, num potencial de risco reputacional para uma consultora de comunicação.
Compreenderão que esta constatação objectiva me entristece como profissional. Mas, pior do que isso, leva-me a antecipar que a comunicação política, à falta de aconselhamento independente, profissional e exterior às organizações, ficará ainda mais afastada dos cidadãos e dos seus interesses.
Nota: Não posso concluir estes apontamentos sem dar uma explicação essencial para aqueles que, induzidos pelo publicado, podem confundir a estrada da beira com a beira da estrada.
Um ajuste directo não é uma ilegalidade. A mesma lei que regula os concursos públicos também regula os ajustes directos. Portanto, tanto os ajustes directos como os concursos públicos são legais. E, se o regulamentado não for cumprido, tanto pode haver ilegalidades nos ajustes directos como nos concursos públicos (sim, e há incomparavelmente mais ilegalidades nos concursos públicos de milhões do que nos ajustes directos de tostões).
Dito isto, o que pode estar em causa num contrato de ajuste directo (como num contrato de concurso público) é se, a coberto da remuneração de uma prestação de serviços para uma entidade pública, se foi, na realidade, prestar serviços a interesses privados.
Portanto, se uma empresa municipal (de uma autarquia que seja, por exemplo, PSD) contrata uma consultora de comunicação e esta, meses depois, está a apoiar a campanha concorrente (de um partido que seja, por exemplo, o PS) à do próprio presidente dessa autarquia parece injustificada qualquer eventual suspeita sobre o primeiro contrato, seja ele ajuste directo ou não.
Este apontamento foi originalmente publicado por Luís Paixão Martins no blogue A Teoria do Q
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