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Quem é jornalista?
LÚCIA GUIMARÃES - O Estado de S.Paulo
A pergunta tem sido feita com
maior frequência, nos últimos anos. Blogueiro é jornalista? Julian
Assange se considera um jornalista e diz que a WikiLeaks é uma
organização jornalística.
Mas um momento em vídeo colocou dois
jornalistas em posições tão antagônicas que profissionais aqui e na
Inglaterra tomaram posições. Falo da entrevista de David Gregory, da
NBC, com Glenn Greenwald, no dia 23 de junho.
Greenwald, o nova-iorquino criado na
Flórida, que fez da Gávea Pequena, no Rio, a sua residência, escreve
para o jornal britânico Guardian. Ele estudou direito, não jornalismo, e
trabalhou num escritório de advocacia. Com Barton Gellman, do
Washington Post, outro admirado jornalista que não passou pela faculdade
de jornalismo, produziu as reportagens com base no vazamento de
informação fornecida por Edward Snowden, uma série comparável em
importância histórica aos Papéis do Pentágono, que mudou o rumo do
debate sobre a Guerra do Vietnã. Enquanto escrevo, Snowden, o
ex-funcionário da inteligência americana a quem devemos um panorama da
vigilância sobre a vida privada pós-11 de setembro, continua no limbo do
terminal de trânsito do aeroporto Sheremetyevo de Moscou.
No programa político que comanda aos
domingos, David Gregory, depois de classificar Greenwald como um
polemista e um advogado (profissão inicial de inúmeros jornalistas
americanos), fez a seguinte pergunta: "Já que você ajudou Snowden e foi
cúmplice dele, inclusive nos seus movimentos mais recentes, por que não
deveria ser acusado de um crime?".
Greenwald não se despenteou ao rechaçar
Gregory, dizendo que é extraordinário que um jornalista possa sugerir
que um colega seja acusado de crime por fazer reportagem investigativa,
sem contar o fato de que foi Snowden quem procurou os repórteres
oferecendo informação. Os dois repórteres, Greenwald, no Guardian, e
Gellman, no Washington Post, não deram início a nenhum crime. Junte-se a
isso o fato de que Gregory nunca fez uma pergunta tão agressiva, por
exemplo, ao ex-vice-presidente Dick Cheney, com quem tem contato social
através de sua mulher, que trabalhou com a mulher de Cheney. Com relação
à tortura, que Gregory continua a classificar de "interrogatório
reforçado", não lhe ocorreu perguntar ao Dart Vader da era Bush se ele
temia um processo por crimes contra a humanidade.
Na semana passada, a ofensiva de charme da
Agência de Segurança Nacional, arranhada pelo vazamento de Edward
Snowden, produziu pérolas como reportagens citando "fontes do governo",
afirmando que terroristas munidos de novas informações, graças ao
traidor Snowden, estão mudando seus métodos de comunicação. Jornalistas
produzindo press-releases travestidos de reportagem, acusaram os
céticos. Lembro que Osama Bin Laden morava numa casa sem telefone fixo
ou internet e queimava todo o seu lixo. Estarão os terroristas usando
sinais de fumaça? Ou batendo tambores?
E antes que a mídia pudesse investigar essa
cortina de fumaça vazada de propósito, duas outras bombas: o Guardian
revelou que o governo Obama continuou, até 2011, violando a
correspondência por e-mail dos americanos e que o programa teria sido
interrompido por não dar resultados na caça a terroristas.
E um general reformado, ex-número dois do
Estado-Maior das Forças Armadas, se tornou objeto de uma investigação
criminal por vazamento de informação. James Cartwright está sob suspeita
de ter revelado ao New York Times detalhes do ataque americano com o
vírus Stuxnet contra o programa nuclear do Irã, em 2010. O governo do
presidente "Yes, we can" está se revelando o governo do sim, podemos
punir qualquer contato não autorizado do governo com repórteres.
O problema é que definir o papel de repórter
hoje não é mais privilégio exclusivo de empresas e instituições. Nas
praças de Istambul ou do Cairo, nas manifestações no Brasil, não é
preciso pertencer à mídia tradicional para contar a história.
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