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domingo, 31 de março de 2019

CINEMA. O drama da videolocadoras para sobreviverem

Artigo do jornal Agora, deste domingo, aborda a situação grave das locadoras de vídeo. Com a chegada da Netflix - e, antes disso, com a invasão da pirataria -, esses lojas estão reorientando seu comércio para se adaptarem aos novos tempos. Muitas fecharam; outras se fundiram com pets-shops e restaurantes, como a Distrivídeo em Fortaleza que continua encontrando alternativas para sobreviver. 
Acompanhe a matéria do AGORA: 
Na época em que a Netflix orienta boa parte do consumo de cinema em casa, algumas videolocadoras mantêm viva a tradição em São Paulo, com a ajuda de clientes fiéis que não dispensam a experiência de andar pelas prateleiras para escolher os filmes do fim de semana.
O negócio, entretanto, já não é rentável como há alguns anos, e muitos estabelecimentos tiveram que diversificar para sobreviver.
O lojista Paulo Pereira, de 62 anos, está no ramo há 34, quando abriu a Vídeo Connection, locadora mais antiga ainda em atividade na cidade. Em todo esse tempo, já chegou a ter cinco funcionários e a abrir filiais em outros estados.
Se na era de ouro Pereira chegava a alugar 4.000 filmes por mês, hoje a média gira em torno de 700. Fatia considerável da sua renda vem da digitalização de fitas VHS. “Faço isso tanto com fitas caseiras quando com filmes que não saíram em DVD”, diz o lojista.
A popularidade das locadoras caiu bruscamente com a pirataria, facilitada pela transição do VHS ao DVD. O golpe final veio com a ascensão das plataformas de streaming, como Netflix, conta Pereira.
Ele diz que o perfil do seu público mudou muito nos últimos anos. Antes, os clientes vinham principalmente atrás de lançamentos. Hoje, são as raridades e filmes exclusivos que os mantêm. “Chega muita gente até de outros bairros, porque conhece o meu catálogo e sabe que não encontra em outro lugar”, diz Pereira, que possui mais de 15 mil títulos em sua loja no edifício Copan.
Na Podium Videolocadora, na Vila Maria, o cinema se tornou coadjuvante há cerca de três anos. Os DVDs passaram a ocupar duas prateleiras no fundo da loja, que tem como atual carro chefe a venda de suplementos alimentares e roupas de academia.
A funcionária Tamara de Paula, 27, diz que a transição foi necessária para manter o negócio aberto, mas que ainda há frequentadores, antigos e novos, que não dispensam a mídia física. “Na semana passada mesmo foi aberta uma ficha depois de meses”, relatou.
Em Sapopemba, na zona leste da capital, funciona desde 1995 o Charada Clube. O dono, Gilberto Petruche, 62, conta que no auge comprou 55 cópias de Titanic para atender a demanda da clientela, e que já chegou a locar 800 fitas em um único dia.
Hoje, os lançamentos que ainda compra nem sempre pagam, e a menor parte da sua renda vem das locações, que giram em torno de 100 ao mês. Para conseguir pagar o aluguel, faz digitalização de VHS, limpeza de aparelhos eletrônicos, venda de discos e vinil entre outros.
“Eu não tenho mais clientes, hoje eu só tenho amigos”, diz Petruche sobre os frequentadores da sua locadora. Adalberto da Silva, 48, é o mais antigo deles. Nos arquivos do Charada, seu cadastro é o número 61, de junho de 1995.
Na época, Silva tinha 24 anos e descobria o gosto por cinema. Hoje, frequenta a locadora quase semanalmente, sempre que tem vontade de rever os clássicos de Amácio Mazzaropi e Jerry Lewis, filmes que não encontra em outro lugar. Há poucos meses, chegou até a cancelar sua assinatura de TV a cabo. “Não tem graça pra mim. Era muito canal e pouco filme”.
Para renovar o seu público e trazer de novo movimento ao espaço, Petruche realiza bimestralmente o festival de música independente A Idade da Terra em Transe. O título homenageia Glauber Rocha, uma de suas maiores referências no cinema.
“Minha ideia inicial sempre foi a de fazer um espaço cultural, por isso o ‘clube’ no nome”, diz Petruche. O sucesso estrondoso da locadora, no entanto, impediu que colocasse a ideia em prática no primeiro momento.
Hoje, o Centro Cultural Charada é a sua “nova paixão”. Além do festival, o lojista promove também apresentações de stand-up e cineclubes. “A locadora continua sendo a minha grande paixão, mas ver novamente o salão cheio de gente, depois de tantos anos, é algo me entusiasma muito”, diz Petruche, que espera tornar o local uma referência de cultura no bairro.
A próxima edição do evento está marcada para 28 de abril, na rua José Antônio Fontes, 62.

Fim de uma era

Três anos depois de fechar as portas de sua última loja física, na avenida Paulista, a 2001 Vídeo encerra hoje as suas atividades.
A locadora funcionava somente como loja on-line desde 2016, para a venda de seu vasto acervo.
Foram 35 anos desde a abertura da primeira locadora, que rapidamente se tornou uma das maiores redes da cidade rede. Nesse período, passou pela transição do VHS para o DVD, a mudança para o Blu-Ray, a pirataria, os downloads ilegais e a concorrência com a Netflix.
Famosa por incluir no seu catálogo filmes que fugiam do circuito comercial, consolidou-se como uma das favoritas dos cinéfilos.

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